Se liga galera observem só essa materia sobre o big brother e reflitam um pouco:
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"Big Brother” prepara a sociedade de controle
por:Ilana Feldman
Os reality shows produzem consequências políticas e não devem ser tomados apenas como “entretenimento”
“Big Brother Brasil” tem revelado, dia após dia, uma capacidade estrondosa de repercussão. Seja através dos números de Ibope, seja através do “retorno de mídia”, “BBB 5” provoca acalorados debates, no mundo real ou virtual, incitando manifestações e tomadas de partido, de anônimos a personalidades.
Tal impacto não deveria ser deixado ao acaso: 31 milhões de votantes e mais de 51% de audiência em noite de paredão repercutem, inegavelmente, no imaginário de um país, na estimulação de novas formas de subjetivação e nas conseqüências estéticas e políticas engendradas pelo formato.
Os reality shows, no caso, o “Big Brother”, não devem ser tomados como irrelevante “espetáculo de entretenimento”, consideração que não contribui em nada para uma análise crítica, além de desmobilizá-la. Ao contrário, buscar entender os signos audiovisuais produtores do imaginário deve ser, mais do que nunca, o foco da ação política contemporânea, pois o imaginário não é a irrealidade, algo abstrato, e sim “a câmera de produção da realidade por vir”.
Muito se tem falado, mas de fato muito pouco se analisa. Existe uma tendência por parte da crítica de ir aos programas sem levar em conta as complexidades e contradições do formato implicado, sendo escassas as iniciativas de análises mais complexas. Em geral, assume-se uma posição de superioridade em relação ao objeto criticado. À expressão da “realidade”, muitas vezes cabe o enfado, o deboche e o julgamento de olhos vendados. Olhos que vão às análises com conceitos já prontos, afirmando preconceitos de classe e não levando em consideração que os questionamentos podem ser mais ricos do que as certezas.
É curioso perceber o quanto o formato reality show é subjugado, de saída, pelo seu caráter “reality”. Se os mesmos “personagens” fossem ficcionais, certamente seria legítimo analisá-los como produções estéticas sintomáticas da contemporaneidade. Brasileiros são sempre os outros, e a evidência de conflitos, mesquinharias, ressentimentos e intrigas só é bem digerida quando travestida da ficção que, na maior parte das vezes, apazigua o desconforto e sofrimento do espectador.
Aos espectadores dos realities cabe a crueldade da vida posta em cena, em uma exposição que não ameniza nossas baixezas, nem ameniza a lógica econômica, produtora de tantas existências e tantos sonhos. Sonhos de visibilidade, de sucesso mercantil, de êxito empresarial, de ascensão social, mas também de inserção, reconhecimento e pertencimento.
A crueldade do “Big Brother” não ameniza nem mesmo os afetos, negativos e positivos, que se desenvolvem entre os personagens, capazes também de criar vínculos de amizade, amor e solidariedade. Não enxergar isso é cerrar a percepção para as sempre positivas contradições e ambigüidades de sentidos produzidos pelo programa. Que a crueldade seja então, como quer Clément Rosset, um princípio, uma ferramenta do pensamento para destrinchar os sentidos já dados e as verdades preestabelecidas. Afinal, todo sentido é um apaziguamento do conflito.
Categorias aprisionantes
A categoria identitária sempre foi peça fundamental para os Estados totalitários que, em momentos distintos da história, tiveram como projeto a eliminação de categorias inteiras, quando estas não “interessavam” ao sistema político vigente.
Sintomaticamente, a composição identitária dos personagens do “Big Brother Brasil” parece ser, em princípio, uma mistura da categorização policialesca dos Estados totalitários com os sistemas de classificação do IBGE. E, ainda, poderíamos considerar que as estratégias de seleção e composição dos participantes do “BBB” são herdeiras dos Estudos Culturais, com suas políticas identitárias baseadas em origem e gênero.
No “BBB5” isso é muito claro. De início, todos os participantes responderam à mesma entrevista e ao mesmo perfil que se encontram acessíveis no site do programa. São definidos por um preciso e ajustado inventário de consumo, gosto pessoal, comportamento e atributos, como se todos os itens revelassem a mesma coisa: o posicionamento do participante em uma hierarquia social e cultural.
É uma espécie de Censo mais nuançado. Vale como experiência antropológica, mas isso só tem algum sentido se se parte do princípio de que o outro é objeto de análise. Se a expectativa for contrária, é preciso ir cotidianamente aos programas exibidos para tentar captar uns sopros de vida que contradigam as ferrenhas e aprisionantes categorias.
Alguns participantes receberam, de Pedro Bial ou dos próprios participantes, os nomes de suas categorias. A paranaense Grazielli e também Miss Brasil é chamada pelos colegas antagonistas, na maior parte do tempo, de “Miss”. O diminutivo Grazie tem sido proferido apenas pelos muito próximos, Jean e Pink. A carioca Tatiana, da Ilha do Governador, é chamada por Bial de Tati Rio, ou Tati Ilha, em parte porque uma quase homônima existe, a Tatiane Pink, mais conhecida por sua cor predileta e jeito vibrantes, o que dispensaria, na prática, as terminações “Rio” ou “Ilha” do nome de Tatiana. Mas parece que os personagens com menos interioridade elaborada no programa, ou cujas categorias são menos ficcionalizadas, são os mais carentes de alcunhas identificatórias.
Algumas personagens competem pela origem, para saber quem irá, por exemplo, melhor representar o Nordeste. Pink e Karla, de Pernambuco, e Natália, do Ceará, brigam para saber quem vai ocupar a posição de “nordestina legítima”.
A carismática cabeleireira Pink sai em vantagem, porque, desde o início do programa, tendo consciência da categoria, já disse não votar em conterrânea, nem em mulher. Ela ressalta, de modo incisivo e cômico que, além de nordestina e mulher, é pobre, digna, leal e de bom coração. Uma espécie de Heloísa Helena debochada e colorida, que soube ficcionalizar sua categoria, tendo sua imagem intensificada pela edição. Já a dançarina Karla se pergunta, em conflito: “O que será que Pernambuco vai pensar de mim?”.
Também o professor universitário e baiano Jean expressou e politizou sua “condição”. Alegou que estava indo ao primeiro paredão por ser gay, e não por ser um intelectual, articulado e manipulador, como foi justificado. Já o técnico de informática P.A, paulista e negro, e a dona de casa carioca, também negra, Aline inspiraram agressivos debates no fórum virtual de discussão do “BBB”.
Eram acusados de estarem envergonhando sua “classe” ao agirem de modo condenável. Mas condenado mesmo foi o médico paulista Rogério (Gê), rejeitado com recorde histórico (92% de 31 milhões de votos) por seus atos e que, parece, vai dar continuidade a seu projeto de comportamento e aparência nazifascista: quer se especializar em cirurgia plástica estética.
No entanto, contradizendo muitas vezes suas categorias, os personagens do “BBB” são existencialistas: constroem-se também por aquilo que fazem e falam. Como peixinhos no aquário, vivem e morrem pela boca. Aline já não é mais, apenas, negra, pobre e mãe de família. É agora a “fofoqueira”, “leva-e-trás” e “traíra”. Pode ser uma visão muito restrita e nada singular de alguém, mas é o preço que se paga quando se entra no jogo da imagem capitalizada.
Ratificando esse regime audiovisual de identidades fabricadas pelas ações dos personagens e tornando-as evidentes ficcionalmente, o “BBB5”, com talento e habilidade, criou uma animação, fazendo a paródia dos super-heróis animados.
O grupo dos “Gigantes” ou “Tropa de Choque” foi representado como “Os Inacreditáveis”, e o grupo do “bem” como “Os defensores”. No primeiro grupo, Rogério era o “Capitão Gê”; P.A, o “Mr. Paranóia”; Alan, o “Kid Pamonha”; Karla, a “Mulher Capacho”; Tati Rio, a “Garota Volúvel”, e Aline a “Agente X9”. No segundo, Jean era o “Homem Maravilha”; Pink, a “Incrível Pink”; Grazie, a “Miss Charada” e Sammy o “Ninja Ensaboado”.
Em uma das festas do “BBB5”, a “Soltando os Bichos”, o mesmo procedimento de ficcionalização se deu, mas, desta vez, a estratégia foi menos indolor para os confinados.
Cada participante recebeu uma fantasia de um animal, de acordo com sua índole e postura na casa, como se o Big Brother explicitasse a metáfora do “zoológico humano” que está na origem do conceito hobbesiano de convivência violenta e forçada. Jean era o leão, rei da floresta; Pink, a gata escandalosa cor-de-rosa; Grazie, uma doce borboleta, e Sammy, um anódino esquilinho.
Já no outro grupo as caracterizações foram, novamente, mais maliciosas. Karla era uma macaca cansada; P.A., um gavião; Natália, uma onça ambígua; Tati Rio, a cobra insatisfeita, e Aline, um corujão. Se, em princípio, através do confinamento de seres diversos, estava em questão uma tentativa de conciliação das diferenças, o retorno a uma velha visão “harmoniosa” de brasilidade, o que fica, ao final, é a explicitação das divergências ou, como escreveu o crítico Cleber Eduardo, a impossibilidade da idéia de cordialidade brasileira.
Pedagogia de mercado
Alguns autores defendem que o romance foi um gênero literário que refletiu, em grande medida, as relações de dominação coloniais e imperiais, reproduzindo, como produto histórico, a ideologia da dominação em sua forma, mesmo quando esta era nacionalizada por grupos dominados.
Herdeiras do romance, as grandes narrativas cinematográficas produzidas por Hollywood também exerceram, e exercem, sua dominação econômica e cultural, evidenciando, mais uma vez, que a forma ideológica da dominação é reproduzida mesmo quando nacionalizada pelos países periféricos.
Com o “formato narrativo Big Brother” acontece algo semelhante, pois se trata de um modelo de audiovisual internacionalista, exportado para todo o mundo, do Ocidente ao Oriente, dos países centrais aos periféricos. A diferença, em relação ao romance, é que o “Big Brother” não está vinculado a uma identidade de Estado-nação específica.
Sua origem não se concentra em um povo, nem em um território, mas em uma corporação transnacional que, por acaso, surgiu na Holanda -talvez até como fruto de uma tradição de representação de interiores.
Assim como o romance, o Big Brother reproduz uma relação de dominação, seja no pagamento de patentes para a empresa matriz, seja na própria lógica de funcionamento do programa, baseada na ideologia empresarial. Uma “dramaturgia da exclusão” é assim transformada em pedagogia.
Desse modo, no âmbito do capitalismo pós-industrial, o Big Brother naturaliza e tende a consolidar uma lógica própria às chamadas “leis de mercado”, estimulando novas formas de subjetivação e reforçando novos sistemas de valoração em consonância com essa pedagogia de mercado alicerçada no curto prazo.
Gilles Deleuze, em “Post-Scriptum para as Sociedades de Controle”, já havia escrito: “Se os jogos de televisão mais idiotas tem tanto sucesso é porque exprimem adequadamente a situação da empresa”. E no “Big Brother” está claro: as gincanas competitivas que “movem” a narrativa -e aqui caberia um paralelo entre as gincanas e o “cinema das atrações”- vinculam-se às dinâmicas seletivas das grandes companhias, através das quais os concorrentes ao emprego, ou à permanência na “casa”, serão testados.
Como empresa, os realities estão sempre se flexibilizando, se adaptando às demandas de mercado, de público e dos próprios competidores. Também usam o espaço para divulgar empreendimentos de organizações não-governamentais, incentivando a “responsabilidade social” e premiando, com estalecas (a moeda corrente da casa), o trabalho “voluntário”, no caso, voluntariamente imposto.
No “BBB5”, o personagem de Paulo André, o P.A., técnico em informática, enquanto discursava em nome de parcerias, foi incisivo: “Aqui é igual lá no emprego. Quem tá comigo sobe junto, quem não tá vai pra fora”. No seu grupo de parceiros, se encontrava o médico Rogério (Gê), mentor do complô e do grupo chamado de “Os gigantes”. Gê também realizava seu recrutamento baseado em sua teoria: “Quem joga junto vence e quem joga individualmente dança”, ou, ainda, “voto individual é voto nulo”.
Os integrantes do grupo defendiam, assim, as decisões corporativas e apresentavam, ao repudiar a diferença e a independência, matizes protofascistas. Alardeavam que “no jogo vale tudo” e que, por isso, era legítimo agir como jogadores, profissionalmente. Talvez eles tivessem destino melhor se participassem do reality show “O Aprendiz”, cópia brasileira de “The Apprentice”, idealizado pelo multimilionário americano Donald Trump, de quem se costuma ouvir a frase já transformada em bordão: “You are fired!”.
A contradição que se coloca é que no “Big Brother Brasil” os premiados não são os mais eficientes, mas o mais simples, humildes, coerentes e independentes, aqueles que “jogam com o coração
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